Textos
No interior do meu sertão, havia a época das farinhadas, produto da colheita da mandioca. Ah que delícia acordar de madrugada para se juntar às raspadeiras de mandiocas, querendo aprender a agilidade ao descascá-las com tocos de faca, que só serviam para aquela função, mas que rendiam muitos quilos do tubérculo pronto para serem lavados, triturados e prensados, com o trabalho de homens, e dos carros de bois, para depois serem transformados em farinha e goma (polvilho).
Também tinha o período dos doces, através da moagem da cana-de-açúcar. Particularmente, gostava da fase em que se mergulhava pedaços da cana raspadas no melado da cana, ainda sem o ponto da rapadura e, após retirados – e resfriados, eram puxados com movimentos dos braços (puxa-puxa) até transformarem-se em alfenins, um doce que ganhava formato de rosas e cravos feitos pelas mulheres experientes e pelas aprendizes, meninas como eu.
Os mestres cuidavam dos melados até chegarem ao ponto certo da rapadura e da batida (um tipo de rapadura temperada com ervas). A rapadura servia como sobremesa e, também, como complemento de outras refeições nordestinas, tipo: a coalhada e o cuscuz, e para fazer doces, especialmente os de cajus e de gergelins.
Aproveitávamos as tardes nos engenhos para conversas animadas, quando nos divertíamos com os fatos da vida simples, de um cotidiano recheado de fantasias e sonhos.
No início das noites reuniam-se amigos e vizinhos nos alpendres das casas, para boas conversas, contar causos, rir da vida. Contemplava-se a Lua e as estrelas, saboreava-se quitutes, cuja matéria prima provinha da natureza, a exemplo do café coado, dos chás, acompanhados por bolinhos de goma e bolos de fubá.
Para quem viveu na zona rural, e em cidades do interior nordestino, há muito que lembrar de uma época em que os cultivos de frutas e legumes, aves e animais de médio porte, não contavam com a presença dos agrotóxicos e hormônios, além de que a produção era constituída, majoritariamente, por organização familiar em todas as fases do processo de produção, distribuição e consumo. Esse modelo de organização contribuía para a fixação de valores como: respeito, solidariedade, fraternidade e amizade.
Saudades de minha infância, saudade das delícias naturais do interior nordestino, onde se vivia com fartura e simplicidade.
Iêda Chaves Freitas
24.06.2021
Na foto, eu e duas de minhas filhas, na aventura de puxar o alfenim, feito em casa a partir da rapadura. Boa ginástica para os braços, rssss.
Ieda Chaves Freitas
Enviado por Ieda Chaves Freitas em 24/06/2021
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